A informatização é um fenômeno verdadeiramente irreversível. A sociedade vem adotando, a cada dia mais, os instrumentos informáticos de modo a tornar as suas atividades mais ágeis e mais econômicas. Sem sair de casa se pode comprar um livro em uma livraria européia em questão de minutos, para lhe ser entregue pelo correio postal.
Mas deve ser observado que o mundo jurídico sempre foi mais conservador. Em tempos antigos, a palavra falada constituía-se na substância dos atos e negócios jurídicos. Logo após a invenção da escrita, o papel era somente considerado como uma forma de comprovação da relação jurídica constituída por meio verbal. Somente muito tempo depois, e após a superação de muitas resistências, é que o documento escrito tornou-se a própria substância dos atos e negócios jurídicos. Essa mesma resistência verifica-se hoje relativamente ao abandono do documento papelizado para a adoção do documento digital. A verdade é que não é fácil adaptar as nossas mentes para aceitar o mundo digital como real, como produtor de efeitos jurídicos.
As relações privadas saíram na frente na utilização da internet para a realização de negócios jurídicos em razão de seu regime mais flexível. No entanto, as relações jurídicas travadas pelo Estado-Administração possuem um regime jurídico muito diferenciado das relações privadas. Os atos da Administração Pública devem ser documentados de modo a permitir o controle posterior tanto pelo cidadão, quanto pelos órgãos e entidades competentes (Tribunais de Contas, Poder Legislativo, Ministério Público). Por isso, não é possível ao administrador público sentar-se perante um computador e, tal qual um particular, tornar a sua atividade totalmente digital.
Para que os atos da Administração Pública possam ser considerados válidos, devem ser expedidos por escrito, datados e assinados. Um documento elaborado em um editor de mensagens eletrônicas poderá ser facilmente alterado, o que tornaria o ato tão volátil quanto a palavra falada. Assim, os atos administrativos para serem válidos eletronicamente devem oferecer segurança, sobretudo, no que toca ao seguinte: a) integridade dos dados e do documento que os registra, b) identificação da autoria do documento.
Na prática, a edição do ato administrativo eletrônico para ser válida deverá observar dois requisitos: a) utilização de tecnologia para dar forma segura de arquivamento do documento informático e b) certificação digital.
Quanto ao primeiro requisito, tem-se hoje a gravação digital em superfície óptica não regravável, que é conhecida tecnologia “worm” (write once read many). Os CDs não regraváveis são exemplos mais comuns hoje. Além disso, o documento deve ser registrado nessas superfícies óticas com cópias arquivadas em lugares físicos distintos e sob vigilância. Com esses artifícios haverá a proteção quanto à existência dos documentos. Esse requisito tem fundamento jurídico no princípio da segurança jurídica.
Quanto ao segundo, a certificação digital, é um programa informático, que funciona como uma espécie de chave eletrônica codificada (criptografada), que é fornecida por entidades credenciadas (Autoridades Certificadoras) que aqui no Brasil compõem o denominado ICP-Brasil – Infra-estrutura Brasileira de Chaves Públicas. Esses programas são incorporados aos documentos eletrônicos quando estes são emitidos. Com este recurso se identifica o autor e protege a integridade dos dados relativamente a alterações indevidas. Ressalte-se que esse recurso não garante a existência do documento eletrônico, e, por isso, não tem o poder de evitar a sua extinção, mas sim o que ele contém, o que é bem distinto. A utilização da certificação digital é exigida pelo art. 10, da Medida Provisória 2.200/01.
É inquestionável que a Administração Pública digital apresenta muitas vantagens, a começar por ser mais econômica. Está provado cientificamente que o custo do armazenamento de milhões de bytes é muito, mas muito mais econômico do que o de arquivar papéis. Só para se ter uma idéia, imagine o quanto de papel seria economizado (e quantas árvores!), quantas viagens se tornariam desnecessárias (malotes, trânsito de processos), quanto espaço físico seria disponibilizado, quanto mobiliário poderia ser dispensado. E isso, em princípio, não geraria desemprego, pois os servidores públicos que tivessem as suas atividades suprimidas pela informatização se deslocariam da atividade-meio para a atividade-fim, que é sempre muito carente na Administração Pública. Mas a digitalização administrativa também inibiria o costumeiro desaparecimento de processos administrativos (de boa ou má fé), e, de outro lado, facilitaria a localização de documentos e processos administrativos. Além disso, muitos desses processos administrativos que “passeiam” por diversas repartições poderiam ser convertidos em atos administrativos complexos, isto é, em vez das autoridades administrativas se manifestarem uma após a outra, cada uma em suas repartições, aguardando a chegada dos processos, poderiam se manifestar no processo praticamente de modo simultâneo, reduzindo absurdamente o tempo necessário à expedição do ato administrativo final. E nem precisa dizer muito para compreender que essas vantagens tornariam a Administração Pública mais transparente também.
Realmente a atividade administrativa acessível via internet tornaria a Administração Pública muito mais conhecida e próxima do cidadão, mesmo daqueles pertencentes ao grupo dos excluídos digitais. Estes últimos poderiam ter acesso por meio de computadores oficiais com o auxílio de servidores públicos. Por isso, é certo que muitos administradores querem distância da Administração Pública Digital exatamente por tornar o Estado mais transparente, e, por isso, mais controlável. Preferem o descontrole.
Por fim, é imprescindível registrar que a informática é um instrumento, é um meio e não um fim em si mesma. O Estado busca a realização de seus fins e a informática não é um deles. Portanto, deve ser adotada pela Administração Pública por força do princípio constitucional da eficiência, mas deve fazê-lo com cautela e razoabilidade, de modo a não criar mais desigualdades e discriminações vedadas pela Carta da República.
* Originariamente publicado no "blog" "Campos em Debate", do Dr. Cleber Tinoco, em 26.11.08.
Mas deve ser observado que o mundo jurídico sempre foi mais conservador. Em tempos antigos, a palavra falada constituía-se na substância dos atos e negócios jurídicos. Logo após a invenção da escrita, o papel era somente considerado como uma forma de comprovação da relação jurídica constituída por meio verbal. Somente muito tempo depois, e após a superação de muitas resistências, é que o documento escrito tornou-se a própria substância dos atos e negócios jurídicos. Essa mesma resistência verifica-se hoje relativamente ao abandono do documento papelizado para a adoção do documento digital. A verdade é que não é fácil adaptar as nossas mentes para aceitar o mundo digital como real, como produtor de efeitos jurídicos.
As relações privadas saíram na frente na utilização da internet para a realização de negócios jurídicos em razão de seu regime mais flexível. No entanto, as relações jurídicas travadas pelo Estado-Administração possuem um regime jurídico muito diferenciado das relações privadas. Os atos da Administração Pública devem ser documentados de modo a permitir o controle posterior tanto pelo cidadão, quanto pelos órgãos e entidades competentes (Tribunais de Contas, Poder Legislativo, Ministério Público). Por isso, não é possível ao administrador público sentar-se perante um computador e, tal qual um particular, tornar a sua atividade totalmente digital.
Para que os atos da Administração Pública possam ser considerados válidos, devem ser expedidos por escrito, datados e assinados. Um documento elaborado em um editor de mensagens eletrônicas poderá ser facilmente alterado, o que tornaria o ato tão volátil quanto a palavra falada. Assim, os atos administrativos para serem válidos eletronicamente devem oferecer segurança, sobretudo, no que toca ao seguinte: a) integridade dos dados e do documento que os registra, b) identificação da autoria do documento.
Na prática, a edição do ato administrativo eletrônico para ser válida deverá observar dois requisitos: a) utilização de tecnologia para dar forma segura de arquivamento do documento informático e b) certificação digital.
Quanto ao primeiro requisito, tem-se hoje a gravação digital em superfície óptica não regravável, que é conhecida tecnologia “worm” (write once read many). Os CDs não regraváveis são exemplos mais comuns hoje. Além disso, o documento deve ser registrado nessas superfícies óticas com cópias arquivadas em lugares físicos distintos e sob vigilância. Com esses artifícios haverá a proteção quanto à existência dos documentos. Esse requisito tem fundamento jurídico no princípio da segurança jurídica.
Quanto ao segundo, a certificação digital, é um programa informático, que funciona como uma espécie de chave eletrônica codificada (criptografada), que é fornecida por entidades credenciadas (Autoridades Certificadoras) que aqui no Brasil compõem o denominado ICP-Brasil – Infra-estrutura Brasileira de Chaves Públicas. Esses programas são incorporados aos documentos eletrônicos quando estes são emitidos. Com este recurso se identifica o autor e protege a integridade dos dados relativamente a alterações indevidas. Ressalte-se que esse recurso não garante a existência do documento eletrônico, e, por isso, não tem o poder de evitar a sua extinção, mas sim o que ele contém, o que é bem distinto. A utilização da certificação digital é exigida pelo art. 10, da Medida Provisória 2.200/01.
É inquestionável que a Administração Pública digital apresenta muitas vantagens, a começar por ser mais econômica. Está provado cientificamente que o custo do armazenamento de milhões de bytes é muito, mas muito mais econômico do que o de arquivar papéis. Só para se ter uma idéia, imagine o quanto de papel seria economizado (e quantas árvores!), quantas viagens se tornariam desnecessárias (malotes, trânsito de processos), quanto espaço físico seria disponibilizado, quanto mobiliário poderia ser dispensado. E isso, em princípio, não geraria desemprego, pois os servidores públicos que tivessem as suas atividades suprimidas pela informatização se deslocariam da atividade-meio para a atividade-fim, que é sempre muito carente na Administração Pública. Mas a digitalização administrativa também inibiria o costumeiro desaparecimento de processos administrativos (de boa ou má fé), e, de outro lado, facilitaria a localização de documentos e processos administrativos. Além disso, muitos desses processos administrativos que “passeiam” por diversas repartições poderiam ser convertidos em atos administrativos complexos, isto é, em vez das autoridades administrativas se manifestarem uma após a outra, cada uma em suas repartições, aguardando a chegada dos processos, poderiam se manifestar no processo praticamente de modo simultâneo, reduzindo absurdamente o tempo necessário à expedição do ato administrativo final. E nem precisa dizer muito para compreender que essas vantagens tornariam a Administração Pública mais transparente também.
Realmente a atividade administrativa acessível via internet tornaria a Administração Pública muito mais conhecida e próxima do cidadão, mesmo daqueles pertencentes ao grupo dos excluídos digitais. Estes últimos poderiam ter acesso por meio de computadores oficiais com o auxílio de servidores públicos. Por isso, é certo que muitos administradores querem distância da Administração Pública Digital exatamente por tornar o Estado mais transparente, e, por isso, mais controlável. Preferem o descontrole.
Por fim, é imprescindível registrar que a informática é um instrumento, é um meio e não um fim em si mesma. O Estado busca a realização de seus fins e a informática não é um deles. Portanto, deve ser adotada pela Administração Pública por força do princípio constitucional da eficiência, mas deve fazê-lo com cautela e razoabilidade, de modo a não criar mais desigualdades e discriminações vedadas pela Carta da República.
* Originariamente publicado no "blog" "Campos em Debate", do Dr. Cleber Tinoco, em 26.11.08.
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